Reflexões sobre a investigação Marroco-Americana em Alcácer Ceguer, 1972-1981
por Charles L. Redman
Logo após completar o meu doutoramento em arqueologia antropológica, tive a sorte de receber apoio financeiro e a oportunidade de dirigir uma escavação em Marrocos, focada no urbanismo islâmico. À época eu defendia a chamada new archaeology e juntei uma equipa multidisciplinar, que incluía antropólogos, historiadores de arte, historiadores e etnógrafos. O Ministério da Cultura marroquino foi muito receptivo e recomendou que nos concentrássemos em Alcácer Ceguer, uma cidade fortificada que era bem conhecida, mas que até então tinha recebido muito pouca atenção arqueológica. No local haviam sido plantados nos anos anteriores várias centenas de pinheiros. Esta situação precipitou um desentendimento inicial com o xeque local, que questionou se a autorização de Rabat para conduzir uma investigação arqueológica incluía o corte das árvores onde iríamos escavar. Acabámos por resolver o problema e mobilizar um grupo de moradores locais para ajudar no trabalho de campo. A cada temporada subsequente, contratámos muitos dos mesmos trabalhadores, que se tornaram qualificados nas suas tarefas, permitindo que os estudantes pós-graduados de Rabat, dos Estados Unidos e da Europa se concentrassem no trabalho de registo e direcção.
Embora a nossa prioridade fosse descobrir e compreender a sequência de cidades islâmicas de dimensão modesta, como Alcácer Ceguer, ficou imediatamente claro que todos estes vestígios tinham sido transformados e ocultados pela ocupação e fortificações portuguesas. Assim, para estudar os vestígios do período islâmico, teríamos primeiro de revelar, estudar e, depois, remover os vestígios do período português. Isto trouxe-nos um dilema, porque o nosso foco de interesse estava nos níveis inferiores do sítio, mas para os atingir teríamos que investigar uma grande área dos níveis superiores. Em ambos os períodos, tentámos equilibrar o nosso esforço entre expor o sistema de fortificações, as instituições centrais da cidade e uma amostra representativa da arquitectura vernacular. Com o intuito de registar tudo com precisão, aplicámos um sistema detalhado de registo de campo e contratámos arquitectos profissionais para desenhar os edifícios e as suas características. Também utilizámos técnicas de recuperação rigorosas para guardar, catalogar e interpretar centenas de milhares de artefactos, tudo com a ajuda de computadores. A categoria principal eram os fragmentos de objectos cerâmicos, mas foram também encontrados e estudados muitas ferramentas, armas, jóias, moedas, vidros e restos de comida, para revelar os detalhes do quotidiano e as ligações comerciais, ajudando a atribuir uma datação aos depósitos.
Enfim, foi quase uma década a descobrir coisas incríveis, vestígios de gentes talentosas e criativas que ocuparam este espaço especial nos séculos passados e que contribuíram para a história medieval do Magrebe e do Mediterrâneo ocidental.